CONDIÇÃO: USADO
Não se poderia imaginar, num Brasil em que, por um lado a saúde praticamente inexiste e por outro, os medicamentos são excessivos chegando-se mesmo a ultrapassar, em números de rótulos, quase todos os países avançados do mundo capitalista, num livro mais atual e ao mesmo tempo alarmante que o de Jean-Pierre Dupuy e Serge Karsenty.
Fruto de uma pesquisa desenvolvida entre 1970 e 1971 por uma equipe do CEREBE (Centro de Recherches pour le Bien Être), o trabalho apresenta dados impressionantes sobre a produção-consumo de medicamentos e sua ascenção constante na França, que seriam certamente ainda mais impressionantes se a pesquisa fosse desenvolvida aqui.
Além dos dados da pesquisa os autores elaboram, e aqui está o fundamental desta obra, uma reflexão sobre pontos de extrema importância para trabalhadores da Saúde, médicos ou não, e para cientistas sociais.
Em primeiro lugar, a reflexão, através do caso da indústria farmacêutica, da natureza atual do processo de produção de mercadorias no capitalismo, suas articulações com a circulação e o consumo, privilegiando, certamente, a determinação do consumo por esta produção.
Em segundo lugar, os autores desenvolvem uma reflexão sobre a incidência que terão os medicamentos - e a indústria farmacêutica - sobre o saber e a práticas médicas. Exterior à formação da escola de medicina, esta "quimiologia" tende a ocupar o espaço do conhecimento médico, da prática médica, através das consultas, e até mesmo da relação médico-paciente, esvaziada pelo receituário e pelo "timing" da consulta.
Em terceiro lugar, uma reflexão sobre os efeitos sócio-culturais de representação do corpo, da mente e da doença que a indústria e a propaganda de medicamentos tendem a condicionar nos indivíduos da chamada sociedade industrial e nos pacientes em particular, que se refletirão nas "exigências" medicamentosas que farão aos médicos.
Tais efeitos tendem muitas vezes a exprimir, em termos de queixas de doença orgânica ou de angústias, ansiedades, depressões, o vazio de poder que os sujeitos sentem em relação ao seu corpo individual e ao corpo social, tomando o medicamento para "preencher" este vazio.
Finalmente, o livro nos propõe uma reflexão sobre as recentes políticas de saúde e sua articulação com o consumo de medicamentos e principalmente com a indústria farmacêutica, não se furtando a propor alternativas para as políticas sociais e de saúde, para o saber e a prática dos médicos como meios possíveis de deter a invasão farmacêutica.
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